Arqueológico

A ocupação humana no concelho de Sátão, que possui condições naturais privilegiadas, com um subsolo muito rico em matérias-primas e abundância de terrenos férteis e bem irrigados remonta a tempos imemoriais. A sua natureza topográfica, orográfica, abundância e fluidez de diversos cursos de água, cedo o tornaram palco de uma intensa fixação humana que, ao longo dos tempos, foi moldando a sua paisagem, quer a natural, quer a construída.

De todo esse tempo longínquo, e das gentes que por aqui passaram e habitaram permaneceu um vasto e belo património, nomeadamente arqueológico. A sua divulgação, como instrumento da sua preservação e valorização, é um dos objectivos da Câmara Municipal que assim pretende “abrir uma porta” sobre os vestígios arqueológicos que subsistem no concelho. É chegado o momento de começarmos esta nossa viagem no tempo, tendo o factor cronológico como orientador.

Do período pré – histórico, e perfeitamente integrado no denominado “planalto dolménico”, os primeiros vestígios com que nos deparamos são dois fantásticos exemplares da cultura megalítica: a Anta de Casfreires, na freguesia de Ferreira de Aves, e a Anta de Forles, na freguesia de Forles. Trata-se de duas estruturas representativas do tempo em que o Homem baseava a sua vida na agricultura e na transumância, criando as condições necessárias a uma progressiva sedentarização e estimulando, assim, o aparecimento e o desenvolvimento das primeiras aldeias. Era o período do Neolítico.

A Anta ou Orca de Casfreires, fantástico símbolo da religiosidade pagã, apresenta-se, estruturalmente, como um monumento composto por nove esteios, seis dos quais continham pinturas, que as agruras do tempo e a incúria dos Homens não permitem hoje descortinar, e chapéu de cobertura. Atravessando um corredor de aproximadamente cinco metros, chega-se ao interior de uma câmara poligonal de 2,5 metros de diâmetro. Trata-se de um monumento datado do Neolítico Final, entre 2900 a 2640 a.C. A sua exploração esteve a cargo do Dr. Leite de Vasconcelos, em 1896, que enviou o seu espólio para o Museu Nacional de Arqueologia. A atestar a sua importância para o conhecimento e compreensão da história, vale a sua classificação como Monumento Nacional, desde 23 de Junho de 1910.

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Entre as povoações de Pereira e Forles, deparamo-nos com outro exemplar deste período: a Anta de Forles. É uma anta de câmara poligonal, de corredor curto, apresentando chapéu ligeiramente deslocado. Também ela foi explorada pelo Dr. Leite de Vasconcelos. De todo o espólio encontrado no seu interior, que se encontra no Museu Nacional de Arqueologia, destacam-se “vasos cerâmicos de fundo esférico e dois vasos de fundo plano com asas”, entre outros elementos.

Caminhando em frente no tempo, a passos largos, chegamos à Idade dos Metais. Com a criação de sociedades minimamente organizadas, e com os contactos que se foram estabelecendo, a história encontra-se com a era dos metais. A Idade do Cobre, sucede à do Bronze e a esta, a do Ferro. É desta época um novo tipo de povoamento, extremamente característico, a que se deu o nome de “cultura castreja”. Na nossa região, esta forma de vida viria a impôr-se de forma mais significativa na Idade do Ferro. É o tempo em que o Homem procura montes e serras, locais elevados onde se possa defender e atacar, se for caso disso, polvilhando estes locais com povoados fortificados. A escolha destes lugares obedece sempre a determinações estratégicas, existindo rigorosos critérios para a sua selecção, como por exemplo, ter ângulo de visão disponível, situar-se sempre em locais elevados, e próximos de linhas de água. Todas estas alterações acarretam, também, uma significativa mudança cultural. Encontramos uma sociedade fortemente hierarquizada, muito baseada na agropecuária e em actividades fluviais, situando-se sempre em locais de difícil acesso. O tipo de habitação também sofre alterações, caracterizando-se, sobretudo, pela sua forma circular e muralhada.

De acordo com a “Carta Arqueológica do Concelho de Sátão”, terão existido no nosso concelho, quatro castros. O Castro dos Santos Idos, na freguesia de Sátão, o Castro de Santa Bárbara, na freguesia de Ferreira de Aves, o Castro de Rio de Moinhos, na freguesia com o mesmo nome e o Castro da Senhora do Barrocal, na freguesia de Romãs. 
O Castro de Santa Bárbara situa-se num local que reúne todas as condições para a construção deste tipo de povoado. Hoje, vestígios já não se encontram, no entanto, já por aqui apareceram moedas de cobre, o que para Inês Vaz significa que “teremos um povoado pré – romano que os romanos continuaram a utilizar”.

O eventual Castro de Rio de Moinhos ter-se-á situado onde hoje se encontra a Capela de Nossa Senhora das Necessidades, todavia tal facto não se pode afirmar com absoluta certeza, uma vez que não se encontra nenhum comprovativo da sua localização.

O Castro dos Santos Idos encontra-se nos arredores da vila de Sátão. De acordo com Inês Vaz “situa-se num esporão triangular naturalmente defensável por três lados”. Classifica-o como pertencente à Idade do Ferro, mas com reocupação no período romano. É um local com excelentes condições de defesa e abundância de água, devido à proximidade da ribeira de Sátão.

Finalmente, o Castro da Senhora do Barrocal, situa-se muito próximo do Santuário com o mesmo nome na estrada que estabelece a ligação entre a localidade de Romãs e Carvalhal. Está situado num local privilegiado, numa posição dominante e com acesso muito limitado. É defensável por três lados, e do lado que o não é, foi construída uma muralha, da qual ainda permanecem vestígios no local. Contudo, embora reúna todas estas condições, o espaço disponível para habitação é escasso. Se há autores que o classificam como castro, outros há que identificam a sua muralha como fazendo parte de um castelo medieval. Embora não haja uma tipologia única de castelos, eles podem ser classificados consoante a sua cronologia, ou época de construção. Assim, o Castro da Senhora do Barrocal seria uma reocupação do espaço, onde já séculos antes tinha existido o Castro. Tratar-se-ia de um castelo da primeira fase, do denominado período condal.

Mas os tempos haviam de começar a mudar e o concelho é atingido pelo universal processo de romanização. Com a disseminação do Império Romano e seus pressupostos, o seu “modus vivendi” instala-se, tendo conduzido ao progressivo abandono das posições mais elevadas por parte das populações, que se “renderam” à planície. Com a plena romanização da zona instalam-se as primeiras “Villae”, que se encontram bastante espalhadas por todo o concelho, conforme nos demonstram os vestígios encontrados. São exemplos a “Quinta das Chedas” onde se pode afirmar, com toda a certeza, a existência de uma “villa”, que teria o nome de “Cidade dos Berlindes”. Aqui foram encontrados materiais que pertenciam sobretudo à parte agrícola do povoado, nomeadamente mós e pesos de lagar, assim como a soleira de uma porta. Na Fontela, na freguesia do Avelal, foi encontrada uma moeda, mais concretamente um sestércio do ano 228, do Imperador Severo Alexandre. Na “Quinta da Taboadela”, foi encontrada uma bela inscrição funerária, que se encontra actualmente na Casa – Museu Camila Loureiro. Também merecem destaque dois marcos miliários que se encontram no muro da Casa da Família Xavier, na Eira do Rei, em Rio de Moinhos e um outro na freguesia de Silvã de Cima. O espólio da Quinta de Torneiros, na freguesia de São Miguel de Vila Boa, é também extremamente significativo, nomeadamente um elemento que causa alguma estranheza, mas que deverá ser uma ara funerária. A Capela de São Saturnino, nas Pedrosas, freguesia de Sátão, deve assentar na estrutura de um edifício anterior, muito provavelmente romano, ou então trata-se de algum reaproveitamento de materiais, uma vez que existe no seu alicerce uma enorme pedra almofadada.

As gentes de Sátão foram também testemunhas privilegiadas dos motivos que levaram ao declínio do Império Romano, tendo acompanhado o nascimento de uma nova era, denominada de Idade Média. 
Desta época o tipo de monumento arqueológico que se encontra mais disseminado são as sepulturas escavadas na rocha, tratando-se mesmo do monumento arqueológico mais frequente em todo o concelho, com um número de estruturas bastante significativo, correspondentes a diferentes séculos.

No concelho de Sátão é possível encontrar um vasto conjunto de estruturas funerárias pelo que não se podem referir todas. No entanto, devido à sua dimensão, permitam-nos destacar os vários conjuntos que existem na freguesia de Avelal, concretamente na Eira, Eiró e Chãozinho. Na freguesia vizinha de Decermilo, num local denominado de “Ourigos da Cerca”, existe uma necrópole constituída por quatro sepulturas. Na estrada que faz a ligação entre Decermilo e Vila Boa, a sensivelmente 600 metros de altitude, encontra-se esta imponente necrópole medieval. Aqui é possível descortinar quatro sepulturas, três juntas e uma afastada, cerca de cem metros. Duas delas são antropomórficas, sendo posteriores aos séculos IX – X. As outras apresentam uma configuração rectangular, sendo uma delas de dimensões reduzidas, o que nos leva a supor que seria destinada a um jovem. Apresentam-se com a cabeceira voltada a Oriente, pois a população tinha a crença que era aqui que Deus apareceria no Dia do Juízo Final, e assim alcançaria a salvação. Devido à sua disposição e proximidade, pode ser classificado como um verdadeiro cemitério familiar.

São estruturas de extraordinária importância para compreendermos esta época, pois à falta de documentação, assumem-se como um elemento fundamental de estudo e uma demonstração cabal da ocupação do território. São determinantes para se entender como estas populações “viviam” a morte, muito embora não se encontrem vestígios no seu interior, uma vez que no momento em que eram enterrados, os corpos não transportavam consigo qualquer objecto, sendo unicamente embrulhados num sudário, no entanto mesmo com estes constrangimentos há que ter a noção que são um campo importante de valorização patrimonial.

Em algumas sepulturas é possível encontrar uma pequena lagareta, tal como acontece no Eiró, no Avelal. Este pequeno recipiente servia para a colocação da água, que tinha como função proceder a uma lavagem do corpo antes se fazer o enterramento. Todavia, devido à sua pequena dimensão, seria um acto meramente simbólico, uma espécie de banho ritual. 
Este tipo de estrutura situa-se, normalmente, em locais destacados na paisagem e próximo de caminhos vicinais, frequentemente num grande aglomerado rochoso, permitindo e proporcionando o contacto visual a alguma distância. A proximidade a caminhos vicinais era mesmo um critério para a localização e orientação das campas, com o claro objectivo de que quem ali passasse se lembrasse de quem se encontrava ali enterrado. Deve ter sido esta a razão que esteve na base da localização da necrópole do Curral, em Lajes, Mioma.

Numa fase mais tardia começaram a colocar-se estelas junto a estas sepulturas. Situavam-se na cabeceira da sepultura e destinavam-se a assinalar a presença de um enterramento. São estruturas normalmente discoides e com decoração cruciforme. A grande maioria pertence ao período baixo – medieval, depois do século XII. Procuravam evitar a profanação do local de enterramento, e quando as sepulturas se começaram a situar mais próximas das igrejas, funcionava também como forma de afirmação de religiosidade, tal como acontece com as duas estelas situadas junto à Capela de São Barnabé, no Ladário, e nas Pedrosas, na Capela de São Saturnino, pese embora não se vislumbrar nas proximidades nenhuma sepultura.

A partir desta pequena amostra, na certeza que muito ficou por referir, fica a certeza que o concelho dispõe de um variado e importantíssimo património arqueológico, que somente uma visita atenta e demorada poderá contemplar.